O Teatro Anatómico

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quinta-feira, 11 de junho de 2009

Ubiquidade na prática de um médico.

A extravagante representação social da prática de um médico.
Sousa Martins.
Da medicina à taumaturgia.

If the doors of perception were cleansed every thing would appear to man as it is, infinite. For man has closed himself up, till he sees all things through narrow chinks of his cavern.

Aldous Huxley, The Doors of Perception, 1954.

Sousa Martins suicidou-se com cinquenta e quatro anos, com uma injecção de morfina, em 1897.

Fora contaminado pela tuberculose, após protagonizar as mais estruturadas campanhas contra a sua disseminação, empreendendo medidas estruturais de saneamento público e dedicado à assistência clínica aos enfermos. Sofria ainda de doença cardíaca agravada.

Antes da solução conclusiva terá confiado a um amigo: A morte é mais forte do que eu. Um médico ameaçado de morte por duas doenças, ambas fatais, deve eliminar-se por si mesmo.

Filho de um carpinteiro de Alhandra, orfão com sete anos de idade, iniciou o seu contacto com a sua futura profissão, como ajudante de farmácia, no estabelecimento de um tio. Em 1864 concluíu o curso de farmacêutico na Escola Politécnica e o de Medicina em 1866 na Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa. Nesta peculiaridade reproduz um itinerário disciplinar cuja avaliação estruturou um permanente contencioso na História da Medicina e da Cultura Médica em Portugal, em torno da determinação do papel dos oficiais das práticas adjacentes, sangradores, meios cirurgiões, algebristas, farmacêuticos, na consolidação de uma medicina operativa contra uma medicina retórica e livresca.

Em trinta e um anos, sem abandonar a prática clínica que estruturou a imagem mais apelativa com que socialmente se representou, percorreu um notável e fulgurante itinerário académico e político-cultural, protagonizando reformas determinantes no sistema de saúde pública.

Foi a sua humanidade e a relação com o enfermo, a ubiquidade do domínio em que produzia a cura, extavagante entre a ciência e uma espontânea taumaturgia, a imagem que mais marcou o culto social pela sua personalidade. No Campo Mártires da Pátria, o monumento que o invoca, dominando a praça fronteira à Antiga Escola Médico-Cirúrgica, é objecto de um culto quotidiano, com o pedestal ornado com coroas de flores, lápides, ex votos, reproduções em cera de membros enfermos, ou sarados, como num singelo santuário de província. Santo para muitos.

Numa altura em que a problemática de atribuição de santidade retornou à ordem do dia, no contexto da canonização de Nun'Álvares Pereira, a sugestiva congregação da medicina com a santidade, na peculiar personalidade de Sousa Martins, suscita reaprofundamentos sucessivos e consistentes.

Do ponto de vista da avaliação eclesiástica, a sua canonização constituria sempre um paradoxo, porque se suicidou.

Um apelo.


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