O Teatro Anatómico

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quarta-feira, 10 de junho de 2009

Que raio de gente andava Vesalio a esfolar?


Os apolíneos esfolados de Vesalio

Donatello, Leonardo, Buonarroti e Calgar

Que raio de gente andava Vesalio a esfolar?


Ensaio breve




Um dos primeiros argumentos verberativos levantados contra Vesalio suscitados pela publicação de De (…) Fabrica, foi o de que era dispensável expor publicamente a prática da dissecação de cadáveres humanos. A escola de Salerno sempre se legitimara com o argumento de que praticava a dissecação e a observação analítica anatómica em porcos, cuja anatómica morfologia muito se aproximava dos humanos.
Bem, não me vou pronunciar sobre a similitude anatómica, mas a similitude etológica seria celebrada cerca de 1530 por Johanes Placentius, ou Publius Porcus, ao publicar Pugna Porcorum, talvez precursor e fonte de inspiração de George Orwell. Já muito anteriormente alguém dera o mote à metáfora, ao enriquecer a hermenêutica da Ilíada com a Batrachomiomahia. No meu périplo escolar, as primeiras dissecações que nos propuseram foram aplicadas a rãs.
O que em Salerno se fazia às claras e se reproduzia nos tratados talvez não correspondesse ao que se fazia no esconso. Também nunca saberemos se as referências de Vesalio à vivissecação são mais do que provocação e petulância.
Do que temos quase a certeza é de que Vesalio não aplicou as suas novidades àqueles sujeitos retratados por Calgar, tão divinos, tão elegantes, que até parecem ter ressuscitado da obra escultórica de Fídias ou de Praxíteles.
Leonardo documentou em desenhos espontâneos a sua observação partilhada no teatro anatómico, mas os registos são de detalhe e não toleram extrapolações que permitam identificar o estatuto dos pacientes.
A obra dos grandes mestres da escultura renascentista, de Donatello a Buonarroti, sugere informação recolhida in situ, no teatro anatómico. Mas nunca saberemos se a informação foi recolhida em primeira mão, ou advinha já das suas fontes, os clássicos da escultura antiga.
O que ressalta da documentação é que a dissecação estava restrita, mesmo nos períodos e círculos mais liberais, a criminosos condenados, prisioneiros de guerra mouros, ou ciganos (arménios, na eufemística expressão). Mas o que ficou escrito e registado é apenas uma ínfima porção da complexa realidade do que é, ou foi a vida.
Que raio de gente andava Vesalio a esfolar? Provavelmente ninguém. Tudo aquilo foi inventado pelo artista. Morbida Ars e nada mais. Quem nos dera que assim fora.

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